terça-feira, 16 de novembro de 2021

Perdi o sono


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Dormi o cansaço do dia, embalada pela fome. Uma benção dormir e enganar o vazio, que me devora faz esquecer o olhar inocente de minha filha que dormiu chorando pedindo pão. A fome dói e grita no meu ouvido a dela.. Diante da injustiça que assola - amanhã encontro trabalho, preciso confiar. Mais um dia de busca e de negativas. Qualquer coisa serve, uma trouxa de roupas – que me dê o sabão e o tanque e um pouco de arroz, com sorte até um trocado para trazer pão ou leite para alegrar o coração de Ninha. o sorriso dela, me mantém caminhando, mas o brilho vem se apagando dos olhos dela. Não me reconheço no caco de espelho, uma sombra que um dia fui. Tempo que o salário me emprestava dignidade, que era promessa de sonho,quando minha filha também tinha coleguinhas na escola e a merenda era a melhor parte! Mas também aprendeu a ler – queria ser professora, ensinava para a boneca que ganhou na igreja. Vida sem muito horizonte, apenas sobrevive, às vezes damos graças por terminar o dia vivas, quem sabe reclamo por mais um dia dessa sina? E a hora passa em gotas da goteira no telhado parece mais longa essa noite. Por que acordei? Dormindo não penso, não tenho fome, não adivinho a dela. Tomo água , e o tempo passa. D. Zenaide me chamou para fazer faxina, arrumo a Ninha, levo para escola, tenho farinha para um engrossado com água e um pouco de açúcar, também engano o bucho e torço que D. Zenaide ofereça lanche. A chuva aumentou. O barraco resiste bravamente. Esfriou, O vento passa pelas frestas, abraço Ninha esquento eu e ela, ela parece agradecer e se aconchega mais. O sono vence mais uma vez. Amanhã, será melhor. Quem sabe outra amiga de D. Zenaide tem mais roupa para passar ou faxina. Ô vida fudida! Não descanso pensando como sobreviver um pouco mais... Será que vale? Vale! Olho o sono dela e prometo tentar mais! Não pediu para estar aqui. Na desgraceira que nem eu me mantenho. A chuva parou! O velho relógio segue seu trilho. Hora de acordar Ninha para escola. Faço o engrossado, pelo menos com carinho, para compensar a simplicidade do desjejum. Na ida peço ao Sr.Joaquim uma banana despencada do mercadinho, aí completa o desjejum dela se Deus ajudar talvez sejam duas bananas e dê para mim.Cheguei na casa de D.Zenaide. O almoço é por lá Ninha almoça na escola e depois vai para casa da vizinha e me espera. Sabe que precisa se comportar senão D. Maria não cuida dela para eu sair e trabalhar. É uma senhora que tem idade de minha mãe que vive em Ressaquinha com meus 6 irmãos. Vida custosa. Mais alguém que sobrevive. Fácil, num é! Quando vim prá cá em BH buscava uma vida melhor, sonhava, mas aprendi que pobre não pode sonhar. Sonhar custa din-din. Vixe que mundaréu de janela e vidro pra limpar! Depois roupa para passar. camisas do Doutor. Almoço engoli olhando para a louça, mas feliz - D. Zenaide arrumou duas marmitas para eu levar para casa. A noite de hoje não teria fome no barraco. E amanhã Deus provê! Já quase anoitece. Acendo a única lâmpada e vejo Ninha comer satisfeita, também como louvando a comida. Depois é pensar: Que será amanhã?

 

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