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A pele denunciava. O cabelo ‘disfarçava’. Assim a vida
passa despercebida para quem não precisa garantir o pão. Nunca se questionou
como a fruta não faltava, muitas vezes a ‘mais em conta’ da estação. Nem sempre
o filé, mas carne nunca faltou, como o arroz, o feijão, o pão. A escola era a
pública mesmo, os pais mandavam merenda, o caderno encapado, participava de
todos os passeios escolares, trabalhos escolares caprichados, com ajuda dos
pais ou não. Mochila e uniforme, ok. E assim cresceu alheio à desigualdade que campeava na carteira ao lado. Ah! Mas os
pais tem que prover isso!
Nunca se perguntou por que ao lado o colega estava
sempre com o uniforme velho e surrado, de chinelo de dedos – quando não, descalço.
Aí, na sua nascente empáfia, pensava “ele se veste como um mendigo”. Ele cresce,
percebe que seus pais não compraram aquele jogo, ‘irado’, o tênis do ‘jogador’,
saiu da aula de inglês, nem na balada
pode ir. Um ‘parça’ foi preso por ‘pegar emprestado’ um ‘headseat’ no shopping.
Tinha dinheiro, mas foi educado com ‘tudo permitido’. O jovem tinha inveja o
cabelo dele liso, fino e loiro. Interessante, não sentia inveja da situação
financeira dele.
Sua família tinha posses, fazia viagens incríveis, mas não parecia feliz. A competição minava o relacionamento
dos pais. Avós com sobrenome alemão impronunciável e que erguiam a voz para
pronunciar. Enquanto o outro, de sobrenome mais comum e que era da grande
maioria de brasileiros. O que não sabiam, era que ao serem libertos os escravos
passavam a assinar o sobrenome do seu ‘dono’. Sinal de ‘gratidão’. Contudo, o
nome comum não impedia que a sua família fosse harmoniosa e alegre. Os pais sentavam-se
e conversavam longamente sobre os problemas da casa, combinavam estratégias
para controlar o orçamento e sobre a educação dos 3 filhos.
Começou a se
atentar nessas conversas: ‘o gerente tá
no meu pé.’ ‘sou muito cobrado’, ‘ no banco, exigem cabelo baixo e curto’; ‘na
escola tem aluno gravando a aula’; ‘ que aula de história é essa que não posso
conversar com os alunos sobre o
contexto?’; ‘se me ajudar no jantar acabo com a louça mais cedo’. Percebia que
mesmo com as dificuldades sobreviviam. Agora o rapaz começava ‘barítonar’ a voz
e o coração acelerar por uma alegre jovem de cabelos cacheados ruivos. Quase
desmaiou com um toque rápido das mãos para pegar um livro. Ao longe seguia a
jovem ‘bebendo’ seu sorriso. O cupido começava a flechar os corações desprevenidos.
Um dia, na saída da escola, viu parado um carro importado. e se estaca ao
perceber que a jovem ia entrar. Então um senhor branco que a aguardava, o chamou
e questionou se ‘queria alguma coisa’ , ‘que se não se aproximasse dela’, ‘vou
queixar à diretoria’. O jovem entrou em pânico e sem olhar atravessa a rua correndo.
Um policial na viatura perto da escola, o abordou com violência jogando-o no
chão. bateu a cabeça e ficou desacordado.
Sua mãe que trabalhava na escola
correu para socorrê-lo e foi contida por outro policial, que de forma abrupta
berrou que mantivesse a distância por que estavam abordando um ‘suspeito’. A
mãe chorava desesperada. Os dois foram colocados na viatura e levados para
delegacia.
No noticiário noturno a manchete foi: RAPAZ NEGRO ATACA ESTUDANTE NA PORTA DA ESCOLA. Isso acontece todo
dia em vidas com “ Um defeito de cor”.